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quinta-feira, 23 de junho de 2011

O Retrato

O Retrato
Por Mario de Carvalho


            As paredes estão se aproximando. Estão vindo para me pressionar, me esmagar e me deixar sem ar. Eu farei parte delas, tão brancas, tão frias e tão inertes. Olhando para a eternidade sem falar. Olhando para o sem fim sem falar. Olhando. Simplesmente olhando sem parar. Quanto mais me dou conta, me afundo em minha cadeira, o silêncio é só quebrado pelas batidas do meu coração. Este que também aos poucos vai cessar. E espero que seja logo. Pois eu não consigo mais, eu não posso mais.
            Lá está. Uma dia já foi agradável, mas agora? Agora meu amigo. Agora me dá agonia e torpor. Como alguém pode ficar em agonia entorpecida? A partir do momento em que o sentido se vai, se esvai, e desce ralo a baixo na vida. As paredes estão mais perto agora. Deixando muito pouco espaço para o ar inflar os meus pulmões. Chegam, impiedosas, sendo puxadas em minha direção. Sim puxadas, por um único objeto. No centro, pequeno, tantas vezes insignificante, agora tomava proporções de uma obra de Da Vinci.
            Não era a primeira vez que eu via aquele olhar vitrificado, fixo e sem vida. Vi anteriormente quando ela ainda estava no meu colo. Quando os seus olhos se apagaram grudados nos meus. Mas ainda assim me olhava. No retrato, havia um sorriso, que não combinavam com os olhos que agoram tomavam outro sentido. E vinha em minha direção. Por mais que eu quisesse desviar, não queria. Por mais que eu quisesse piscar, não piscava. E aquele sorriso se desfazia, deixando a expressão medonha sorridente, uma expressão medonha somente. Olhava para a boca, e ela voltava a sorrir. Subia para os olhos, a seriedade voltava a tomar forma.
            Passei a mão no rosto, retratos não se movem, não mudam de expressão, apenas ficam. Assim como ela ficou no meu colo. Ao invés da descrença da falta de movimento, agora eu não queria acreditar no próprio. Eu podia. Eu podia ainda tê-la, e quando ela me deixava olhando para mim, ela me disse. E aquele retrato me fez lembrar. Ah se fez. Sorrindo e não sorrindo. Olhando e não olhando, e as paredes apenas se aproximando.
            O que eu me lembro foi da pressão gentil, o frio encostando a minha pele. O aperto.
A sala virou, pensei que finalmente teria o alivio que queria. Só que eu agora estava tão vidrado quanto ela. O olhar me seguiu. Me olhando de cima com a mesma expressão, o retrato pareceu sorrir mais ainda. Pois agora ficaria ali. Como uma parede, encarando-a. Tão frio, aos poucos tão branco, tão inerte. Olhando para o retrato da esposa que já não era mais. Que morrendo me olhava sem olhar. E eu a olhava, as paredes pararam de apertar, e eu olhava para o sem fim. Olhando. Simplesmente olhando sem parar.


23/06/2011